24 de set. de 2012

3 de outubro, Niver da mamãe


           

Dia três de outubro seria aniversário de minha mãe.
Tempos atrás não imaginava um aniversário sem ela ao nosso lado.
O que não tem remédio, remediado está.
assim falava minha mãe e a mãe de minha mãe,
um dia minha filha repetirá a mesma frase.
         
Quero falar de minha mãe sem me entristecer,
É fato: o que não tem remédio, remediado está.
Tentar escrever coisas do dia a dia, sem pieguices ou tristezas.
Apenas lembranças.

Por esses dias lavei meus sapatos “melissa” no chuveiro,
deixei – os no box secando, os sapatos secaram, não os guardei.
Sábado dia de faxina, entrei no banheiro e lá estavam meus sapatos,
um em pé encostado na parede o outro pé virado com a sola pra cima,
Meu impulso ir desvirar sapato, parei, não precisava...
minha mãe já morreu, não vai morrer de novo...
Posso imaginar minha mãe rindo da minha atitude.

Por outro lado estou liberada livre e solta:-
Tranquilamente abrir o guarda chuva dentro de casa,
deixar todos os sapatos virados com a sola pra cima,
e se me der na telha posso andar pra trás.
Seria taxada de doida, e daí?
Uma coisa é certa, não há risco de minha mãe morrer.

Ninguém morre duas vezes,
Quem aguentaria a dor de perder duas vezes alguém tão amado.
Mas olhando por outro lado....
Um facínora odioso e impiedoso poderia morrer duas vezes !?!?!?
Pena de morte vezes dois para roubo seguido de morte.
Pena de morte vezes três para crimes hediondos.
Pena de Morte vezes cinco para crimes contra humanidade.
E assim por diante...
Não questione como morrer mais de uma vez.
Pensamentos insanos são assim.
Não tem manual, nem bula.

Sento para escrever, tenho uma ideia inicial.
Logo outra historia vai aparecendo.
E sem que eu perceba, já tomei outro rumo.
O assunto mudou, é como se já estivesse pronto,
só a espera de um gatilho para sair,
independente dos meus planos.

Tentei retomar com pequenas historias.
Como dizem, uma coisa puxa outra...
Nesse momento lembrar minha mãe é:

Varrer a casa sem deixar lixinhos nos cantinhos.
o diabo gosta de casa suja.
Esperar uma hora ou mais após a refeição para ir pro chuveiro.
muita gente já morreu disso.
Beijar o pão, antes de jogar fora.
(mesmo se tiver bolor beijo antes de jogar).
Se a visita é chata, vassoura atrás da porta.
Em hipótese alguma deixar a bolsa no chão.
(pra disfarçar a superstição, ela dizia “pra não estragar a bolsa”).
Quem brinca com fogo, faz xixi na cama.
Orelha esquerda ardendo, alguém falando mal de você.
Relógio quebrado, é atraso de vida.
Quebrar espelho, sete anos de azar.

Dentre tantas crendices e superstições,
A mamãe tinha pavor de temporais:
Sua cunhada Luzia (minha tia, irmã de meu pai)
Morreu aos quinze anos atingida por um raio.
Em dias de temporais, era lei na nossa casa
cobrir com lençóis ou toalhas, todos os espelhos.
Não tínhamos muito espelhos, mas todos eram cobertos,
até aqueles que ficavam no fundo da cristaleira.
Não andar descalça pela casa, para os pés não grudar no chão.
De maneira alguma usar facas, tesouras ou agulhas,
qualquer coisa de metal era proibido.
todas essas coisas atraem raios.

Saudades das tardes de temporais, mamãe eu e minhas irmãs, 
empoleiradas na cama do casal ou no sofá da sala,
esperando a tempestade passar, a chuva acabava.
Medo deve dar fome, pois a mãe ia preparar um lanche.
As vezes uma pipoca bem quentinha.

Viver com minha mãe foi muito bom, muitas lições de vida e coragem.
Algumas superstições e costumes, carrego comigo.
Muitas vezes, revejo minha mãe em mim.
Numa frase feita, uma situação boba e corriqueira,
Tantas vezes escuto minha voz, e reconheço a semelhança.
Reconheço - a em minhas irmãs, e ate na minha filha Tathi.
partes de minha mãe continua viva em nós.
A mãe diria que somos farinha do mesmo saco.

Quando a vida vira uma bagunça, sinto que estou perdendo o rumo.
Em dias de grande tempestade, aflita,
também tenho medo de raios e trovões,
alem do pavor infantil que tenho do escuro.
Me aconchego naquela cama ou no sofá quentinho.

E espero o temporal passar...

Depois do temporal,
nada melhor que pipoca quentinha ou bolinho de chuva.
E boas lembranças para aquecer a alma.










4 de set. de 2012

UM CAPETA EM FORMA DE "GURI"

Kel, não resisti. (perdão)  

Passagens da nossa infância são revividas no dia a dia.
Meu pai não era o protótipo de paizão, muito pelo contrario.
Também não é novidade, tenho boa memória para os tempos idos.
Até me surpreendo “a mim mesma”.
Da convivência na infância com meu pai, poucas lembranças.
Memórias vagas e fragmentadas,
Quase não o víamos, saía muito cedo para o trabalho,
Voltava, imagino morto de cansaço, já estávamos dormindo.
(naquele tempo criança jantava cedo e ia pra cama).

Na sala com meu pai, observo um entra e sai do quarto,
uma mulher levando bacia com água fervente e toalhas.
Eu, curiosa, sentada nos joelhos de meu pai, esperando,
ele me disse algo, não recordo o assunto.
Menina de quatro anos, atenta tentando espiar o quarto.
Os ruídos e conversas do quarto ao lado vinham abafados.
Quanto tempo ficamos ali, não sei.

Escutei um choro forte, a porta antes encostada, se abriu
deixando passar uma senhora morena e  gorducha, trazendo um pacotinho.
Jamais esqueci o rostinho redondo e rosa claro, a boquinha carnuda,
o cobertorzinho que enrolava firme a nova integrante da família, Raquel.
Assim como dos outros filhos, escolheram um nome bíblico.
Eunice, Israel, Léa e Raquel. (o menino sobreviveu apenas meses).
Se não me engano na Bíblia não tinha Léa, mas sim Lia.
Enfim uma pequena diferença.
Raquel, nome forte para um bebê pequenino, nós a chamamos de Kel,
não Quel.

Criança voluntariosa, caçulinha mimada pelas irmãs mais velhas.
Se contrariada, podíamos nos preparar, vinha pra cima feito boi bravo.
a caçula sempre levava vantagem, "deixa ela" é pequena,
alguém dizia, (pobres irmãs mais velha e do meio).

Eu, irmã mais velha, diariamente as levava à pré escola,
ficava do lado de fora no play ao alcance dos olhos das meninas,
Sabendo - me ali fora esperando, elas não choravam pra voltar à casa.
Reclamavam de um garoto, era eu quem dava pegas nos meninos.

Dizer o quanto amo minhas irmãs, é dispensável.
Hoje não estou aqui para falar de amores,
mas sim das peripécias de Kel a terrível.
“Correndo grande risco, gosto de viver perigosamente”.

Aos oito anos
Kel foi pega com uma amiguinha fumando no banheiro do colégio.
Nessa época vendia todas as embalagens de vidro do estoque de meu pai, 
litros de leite, garrafas de cerveja, acredito que até retalhos de fios de cobre,
que meu pai guardava enroladinho, ela vendia.
O homem do ferro velho devia adorar...
Pega no flagra, disse que era para comprar doces, será?????
De certo comprava doces, peças para fazer carrinhos de rolimã,
tecidos para um vestido novo. .. Assim por diante.
Se você tem a minha idade deve estar lembrando uma musica:
Co – nhe - ci  um capeta em forma de guri, a própria kel, era isso mesmo.

Falei de meu pai, agora lembrar um assunto que amarre Kel e Pai.
É sabido meu pai era homem severo; descia o braço, o fio de ferro e o cinto,
muitas vezes ficávamos com as pernas e as costas marcadas.
Por sorte usávamos meias três quartos...
Kel numa dessas ocasiões tomou uma foto do pai, com caneta esferográfica 
desenhou chifres  na testa e as sobrancelhas num ângulo quase reto.
A obra de arte deu ao nosso pai aparência demoníaca. 
Infelizmente assim nós o víamos, estava claro para nós, não pra ele.
Matuto do interior, seu entendimento daquele desenho fazia alguma alusão
à fidelidade conjugal de minha mãe.
E o homem que se achava corno nos encheu de porrada.
Levamos a maior surra, o pai queria saber quem fizera aquilo.
A única coisa que eu tinha certeza, não fui eu. Poderia, mas não o fiz.
Juramos inocência de pés juntos. Uma de nós jurou em falso.
Fomos saber que a artista era a Kel recentemente.

Pra dizer a verdade não tenho plena certeza ter sido ela.
Minha irmã as vezes, confunde as memórias.
Para a criminosa não ficar impune, nós três fomos castigadas.
Provavelmente quem mais se ferrou foi minha mãe.
Não sei como ela explicou "que era arte de de criança".
Creio que no íntimo mamãe se divertiu com aquela foto.

Mas não se preocupem. Kel não foi para FEBEM, na adolescência.
Nunca participou de assaltos a bancos ou lojas de departamentos.
Provavelmente "ganhou" alguns chocolates.
Apesar das diabruras da infância,
tornou - se uma mulher, generosa. Num corpo miúdo e frágil.
Perdeu um pouco daquela ousadia da infância.
É uma irmã querida e muito presente.
Diariamente me chama ao telefone.
Algumas vezes me acorda só pra dizer boa noite.

Ps. Léa não fique com ciúmes, prometo uma historinha só pra você.