4 de set. de 2012

UM CAPETA EM FORMA DE "GURI"

Kel, não resisti. (perdão)  

Passagens da nossa infância são revividas no dia a dia.
Meu pai não era o protótipo de paizão, muito pelo contrario.
Também não é novidade, tenho boa memória para os tempos idos.
Até me surpreendo “a mim mesma”.
Da convivência na infância com meu pai, poucas lembranças.
Memórias vagas e fragmentadas,
Quase não o víamos, saía muito cedo para o trabalho,
Voltava, imagino morto de cansaço, já estávamos dormindo.
(naquele tempo criança jantava cedo e ia pra cama).

Na sala com meu pai, observo um entra e sai do quarto,
uma mulher levando bacia com água fervente e toalhas.
Eu, curiosa, sentada nos joelhos de meu pai, esperando,
ele me disse algo, não recordo o assunto.
Menina de quatro anos, atenta tentando espiar o quarto.
Os ruídos e conversas do quarto ao lado vinham abafados.
Quanto tempo ficamos ali, não sei.

Escutei um choro forte, a porta antes encostada, se abriu
deixando passar uma senhora morena e  gorducha, trazendo um pacotinho.
Jamais esqueci o rostinho redondo e rosa claro, a boquinha carnuda,
o cobertorzinho que enrolava firme a nova integrante da família, Raquel.
Assim como dos outros filhos, escolheram um nome bíblico.
Eunice, Israel, Léa e Raquel. (o menino sobreviveu apenas meses).
Se não me engano na Bíblia não tinha Léa, mas sim Lia.
Enfim uma pequena diferença.
Raquel, nome forte para um bebê pequenino, nós a chamamos de Kel,
não Quel.

Criança voluntariosa, caçulinha mimada pelas irmãs mais velhas.
Se contrariada, podíamos nos preparar, vinha pra cima feito boi bravo.
a caçula sempre levava vantagem, "deixa ela" é pequena,
alguém dizia, (pobres irmãs mais velha e do meio).

Eu, irmã mais velha, diariamente as levava à pré escola,
ficava do lado de fora no play ao alcance dos olhos das meninas,
Sabendo - me ali fora esperando, elas não choravam pra voltar à casa.
Reclamavam de um garoto, era eu quem dava pegas nos meninos.

Dizer o quanto amo minhas irmãs, é dispensável.
Hoje não estou aqui para falar de amores,
mas sim das peripécias de Kel a terrível.
“Correndo grande risco, gosto de viver perigosamente”.

Aos oito anos
Kel foi pega com uma amiguinha fumando no banheiro do colégio.
Nessa época vendia todas as embalagens de vidro do estoque de meu pai, 
litros de leite, garrafas de cerveja, acredito que até retalhos de fios de cobre,
que meu pai guardava enroladinho, ela vendia.
O homem do ferro velho devia adorar...
Pega no flagra, disse que era para comprar doces, será?????
De certo comprava doces, peças para fazer carrinhos de rolimã,
tecidos para um vestido novo. .. Assim por diante.
Se você tem a minha idade deve estar lembrando uma musica:
Co – nhe - ci  um capeta em forma de guri, a própria kel, era isso mesmo.

Falei de meu pai, agora lembrar um assunto que amarre Kel e Pai.
É sabido meu pai era homem severo; descia o braço, o fio de ferro e o cinto,
muitas vezes ficávamos com as pernas e as costas marcadas.
Por sorte usávamos meias três quartos...
Kel numa dessas ocasiões tomou uma foto do pai, com caneta esferográfica 
desenhou chifres  na testa e as sobrancelhas num ângulo quase reto.
A obra de arte deu ao nosso pai aparência demoníaca. 
Infelizmente assim nós o víamos, estava claro para nós, não pra ele.
Matuto do interior, seu entendimento daquele desenho fazia alguma alusão
à fidelidade conjugal de minha mãe.
E o homem que se achava corno nos encheu de porrada.
Levamos a maior surra, o pai queria saber quem fizera aquilo.
A única coisa que eu tinha certeza, não fui eu. Poderia, mas não o fiz.
Juramos inocência de pés juntos. Uma de nós jurou em falso.
Fomos saber que a artista era a Kel recentemente.

Pra dizer a verdade não tenho plena certeza ter sido ela.
Minha irmã as vezes, confunde as memórias.
Para a criminosa não ficar impune, nós três fomos castigadas.
Provavelmente quem mais se ferrou foi minha mãe.
Não sei como ela explicou "que era arte de de criança".
Creio que no íntimo mamãe se divertiu com aquela foto.

Mas não se preocupem. Kel não foi para FEBEM, na adolescência.
Nunca participou de assaltos a bancos ou lojas de departamentos.
Provavelmente "ganhou" alguns chocolates.
Apesar das diabruras da infância,
tornou - se uma mulher, generosa. Num corpo miúdo e frágil.
Perdeu um pouco daquela ousadia da infância.
É uma irmã querida e muito presente.
Diariamente me chama ao telefone.
Algumas vezes me acorda só pra dizer boa noite.

Ps. Léa não fique com ciúmes, prometo uma historinha só pra você.


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