1 de out. de 2012

TITICA DE GALINHA




foto de  http://elo7.me/TTgfyH

Tenho saudades:

Pudim de leite condensado que a Tia Inha fazia,
clarinho bem macio, a perfeita calda de caramelo,
entrando pelos furinhos do pudim, delicioso!
Não existe nada igual.

Saudades...
Da enorme bagunça na varanda da nossa casa em Ferraz.
O pai ralando milho, a mãe coando milho para fazer curau.
No fogão, um cadeirão com água fervendo para cozinhar as pamonhas.
Nós os menores abrindo a palha com cuidado para não rasgar,
transformando nossa tarefa em brincadeira.
Ao término, sair com os braços coçando de tanto rolar na palha.
Era um exagero, tudo era grande, panelas bacias, a colher de pau.
Depois de tudo pronto a vizinhança e nossos familiares,
ganhavam uma boa porção de curau e pamonha. 
Até hoje sou doidinha numa pamonha bem rustica cozida a palha.

Saudades...
Sair no quintal jogar milho para as galinhas, catar os ovos de cascas escuras e gema de amarelo bem forte. Olhar cada cantinho, atenta pra a qualquer momento ter que fugir de um galo garnisé bipolar, morador   do nosso quintal, pequenino e invocado se achava o rei da cocada preta.  
Entrar no cercado das galinhas, mesmo tomando todo cuidado, acabar com o calcanhar borrado de titica, lavar os pés no tanque de lavar roupas.
Uma aventura.

Em Ferraz nossa casa era pequena, com um quintal enorme.
O pai sempre “inventava”, uma ocupação para suas horas de folga.
Nos fundos do quintal um cômodo que chamávamos de quartinho.
A edícula abrigou parentes em momentos de dificuldade.
Foi quarto de despejo, onde se guardava de tudo;
ferramentas, moveis velhos, botijão de gás, latas de tinta, madeira, etc.
Um verdadeiro quarto de bagunças.

Meu pai o transformou numa chocadeira gigante.
Um balcão de madeira foi adaptado, lugar para os ovos, muitas lâmpadas.
Não sei como ele conseguiu a temperatura ideal.
Aproximados vinte dias depois, uma enorme quantidade de pintinhos amarelos e rebolantes, apareceram das cascas dos ovos.
Pra tanto pinto providenciar um galinheiro novo, o cercado ficou pequeno.
Os pintinhos eram tratados com farelo bem miudinho,
dezenas de boluchinhas amarelas, pipocando no cercadinho de tela fina.
Ao se transformarem em frangos, iam para o galinheiro,
e atingindo peso e idade ideal,  iam pra panela. 
Nunca comemos tanta carne de frango como naqueles tempos.

Tempo lembra temporal, dezenas de franguinhos no galinheiro.
Desaba um temporal daqueles de fim do mundo.
Corre - corre no quintal, a mãe com bacia, mil toalhas velhas, socorrendo e secando os franguinhos ensopados de água de chuva, barro e titica.
Com ajuda de nossa vizinha Dna. Maria, enxugavam os bichos e os botava no quartinho, com  todas as luzes da chocadeira acesas, o velho quartinho ficou quentinho,  ali os franguinhos foram salvos da morte prematura.
O mais bizarro era minha mãe enrolando os menores em panos velhos, arrumando os numa bacia e colocando no forno levemente aquecido, os bichinhos tremiam de dar pena. Pior era o cheiro de frango molhado, eca!
Muitos foram salvos, cresceram engordaram e... foram parar na panela.  
Melhor sorte tiveram as meninas, sobreviveram por mais tempo,
comeram muito milho e puseram muitos ovos, ciscaram muito quintal.
Até que um dia pai e mãe decidiram acabar com o galinheiro,
as senhoras galinhas foram pra panela de pressão.

Se alguém achar que nada disso aconteceu, tenho testemunhas a meu favor, cada detalhe é verdadeiro, aquela noite foi uma verdadeira maratona, poucos frangos morreram. Ao lembrar a luta para salvar os frangos, acho muito engraçado, penso nos meus pais, mesmo sabendo que mais tardem os frangos seriam mortos, pendurados no varal para escorrer o sangue.
E depois iriam para a panela.
Não deixaram que os bichos morressem daquela maneira trágica,
Tremendo de frio encharcados de lama e titica.
Acabou a historia,  iniciada com pudim de leite condessado,
e finalizada com titica de galinha.

Nenhum comentário: