17 de jul. de 2012

SAPATINHOS VERDES

NÃO ACHEI FOTO DE SAPATINHOS VERDES
 se você for daltônico verá verde,
se não for, use a imaginação  
 :)


Outro dia comentei com minha mana Cleise,
sobre a tendência das pessoas idosas em cultivar suas memorias antigas.
Acho que já nasci idosa.
Eu mesma me assusto com lembranças tão antigas,
chego a pensar que construo lembranças,
só de ouvir outros contar o ocorrido.
Então reviro daqui e reviro dali, e chego à conclusão.
Eu Lembro mesmo!

Posso me ver (como num filme), na igreja na época de natal.
esperando ansiosa a distribuição de doces embalados em
saquinhos de papel colorido, tipo celofane,
o fundo quadradinho de papelão dava volume ao pacotinho
dando a impressão que tinha muito mais doces.
Meu olhar de criança cruzar com olhar de meu pai,
lá no altar, sobrancelhas cerradas e olhar severo,
(na qualidade de membro do presbitério).  
Tentando conter o nosso passarinhar barulhento e ansioso.

Menininha aos quatro ou cinco anos,
meu par de sapatinhos verdes, do mais delicado e macio couro,
feitos pelo "irmão Simplício", artesão de primeira.
Eram sapatinhos como os de boneca,
Correia fina com um minúsculo botãozinho
coberto do mesmo material do sapato.
Tão miúdo e bonitinho, foi apelidado de sapinhos.

O ”Irmão” Simplício um nordestino de cabeça achatada,
Olhos de um castanho quase verde, e uma lasquinha bem miúda de ouro 
destacava seu sorriso aberto e debochado.
Ele me apelidou de café-pão, naqueles tempos eu já era tarada
num café com  leite e pão com manteiga.

Quando vejo um par de sapatos verdes,
lembro nos meus sapatinhos “sapinhos”,
meu amigo e seu delicado presente.

Naquela manhã de sexta feira.
(mentira, não sei que dia da semana era, boa memória nem tanto).
A mamãe nos deixaria na casa com Avó Conceição.
Ela acompanharia meu pai ao médico.
A pequena Nicinha cismou em calçar os sapatos novos.
E teimou tanto (pensa que teimou e conseguiu).
Não mesmo! O pai que era severo!
Perdeu a paciência, como sempre acontecia.
Tirou o cinto que usava, e me “convenceu”,
Que os sapatinhos novos deveriam ficar em casa.
Assim fomos eu e minhas irmãs para casa da avó,
Chegando, mamãe cochichou o ocorrido.
Vó Conceição abanou a cabeça com o rosto muito triste.
Levou-me para a sua cozinha, esquentou água e botou na bacia.
Com os olhos marejados, me deu um banho de salmoura.
Fazendo a agua quentinha e salgada correr delicadamente
Pelo meu corpo ferido...
Secou me com toalha fininha e macia.
era tanto amor, acho nem senti dor.

Minha memória que tudo lembra,
Não se recorda a dor sentida.
Nem as marcas da violência deixada nas pernas.
Tampouco recordo os sapatos usados naquela manhã.

Lembro apenas dos meus sapatinhos verdes e macios,
de correia fina e botãozinho delicado.
E do velho amigo “Irmão Simplício”.
Com seus olhos castanhos quase verdes.
E a lasquinha de ouro no dente.
A sorrir e me dizer “Bom dia café-pão”



 Saudades de nossa amada   vó Conceição,
 não era mãe de minha mãe nem de meu pai.
Mas era nossa avó de verdade.

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